segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Da contracultura à Alta-Costura: como o jeans conquistou o mercado de luxo

Prada investiu pesado no jeans em seu desfile masculino de Verão 2015 ©Reprodução/Facebook
Em 141 anos de vida, o jeans saiu das regiões mineradoras do Oeste dos Estados Unidos para conquistar o mundo. Hoje ele é quase onipresente: é usado tanto por trabalhadores rurais quanto por celebridades nos quatro cantos do planeta. Mas isso não é nenhuma novidade. O que muita gente não sabe é que esse domínio global só foi possível graças a uma história repleta de paradoxos, na qual o denim foi, ao mesmo tempo, símbolo de contracultura e matéria-prima de uma indústria global e bilionária, atingindo seu ápice nas últimas décadas ao se tornar artigo de luxo.
O livro “Blue Jeans”, de Daniel Miller e Sophie Woodward, narra a história recente do icônico material (já que suas origens vão mais longe no tempo, e remontam ao século 17 na França). Segundo os autores, quando o alfaiate Jacob Davis, de Nevada, nos Estados Unidos, foi convidado a confeccionar uma calça robusta e resistente para um lenhador local, ele teve a ideia de reforçá-la com rebites, que se mostraram extremamente duráveis.
 
Davis, no entanto, não tinha condições financeiras de patentear sua criação. Foi então que ele escreveu pedindo ajuda ao seu fornecedor, o comerciante de São Francisco Levi Strauss. “O segredo dessas calças são os rebites que eu coloco nos bolsos. Eu não posso fazer isso rápido o suficiente… Meus vizinhos estão com inveja do meu sucesso”, teria afirmado o alfaiate.
A Levi’s (como a calça patenteada ficou conhecida) feita de jeans tinha uma característica singular: ela desbotava e se ajustava ao corpo à medida que era usada. A peça, portanto, começou a se tornar popular não apenas por ser mais durável e confortável, mas também porque era capaz de contar histórias sobre o trabalhador que a usava e sobre o seu trabalho.
Até os anos 1950, o denim ficou restrito ao ambiente de trabalho, especialmente à região rural dos Estados Unidos. Mas isso começou a mudar graças a um empurrãozinho de Hollywood. Foi como símbolo da rebeldia encarnada pelos astros Marlon Brando, Elvis Presley e James Dean que a peça ganhou status pela primeira vez, saindo dos campos, ganhando as cidades e o guarda-roupa dos jovens da época.
 
Marlon Brando, em “O Selvagem” (1953), e James Dean, em “Juventude Transviada” (1955) ©Reprodução
Como bem lembra o livro “Denim: From Cowboys to Catwalks”, escrito por Paul Trynka, depois da Segunda Guerra Mundial, toda subcultura jovem adotou o jeans como parte de seu código de vestimenta – pense nos rockabillies, nos hippies, nos punks e, mais recentemente, nos grunges. E foi justamente essa versatilidade de adaptação a diversos estilos e culturas, aliada ao preço acessível, durabilidade e fácil manutenção, o grande trunfo da calça jeans, que finalmente se tornou um item tem-que-ter do casualwear em todo o mundo.
Daí para a entrada no restrito círculo do chamado “high fashion” foi um pulo. No fim da década de 1970, a Calvin Klein levou a peça pela primeira vez para a passarela, algo até então impensável para grande parte das pessoas, que via o denim ainda ou como uniforme de trabalho ou como roupa de jovens raivosos contra o sistema. Vale destacar também o papel fundamental da britânica Vivienne Westwood nessa história, já que foi ela que levou definitivamente a estética punk para o mainstream ao lado do seu companheiro Malcolm McLaren. A dupla ficou conhecida tanto por formar a banda Sex Pistols, ícone do movimento musical, quanto por vesti-la com peças repletas de couro, xadrez, alfinetes, correntes e, claro, jeans. Depois disso, Vivienne extrapolou as barreiras do punk e trilhou uma carreira muito bem sucedida no mundo da moda.
A rebeldia punk dos integrantes do Sex Pistols na atitude e nos looks criados por Vivienne Westwood e Malcolm McLaren ©Reprodução
Em 1980 e 1990, a indústria têxtil deu um verdadeiro salto tecnológico e o jeans ganhou novas lavagens, mais cores e a companhia de outros materiais, como o elastano e o poliéster, que garantiam conforto e o caimento perfeito. A partir dos anos 2000, o grande chamariz foi o jeans premium, confeccionado por marcas como 7 For All Mankind, Hudson, Joe’s, entre outras. Com ainda mais detalhes e tratamentos tecnológicos, modelos exclusivos e quantidades limitadas, o jeans ganhou fôlego novo e se tornou, enfim, um artigo de luxo.
Jean Paul Gaulier chamou atenção ao inserir o material na sua coleção Couture em  2002. Quatro anos depois, foi a vez da Chanel colocar a calça jeans lado a lado com seus glamourosos vestidos artesanais na passarela de Alta-Costura. Seguindo a mesma linha, veio a Maison Martin Margiela com seu exército de modelos usando botas, máscaras e jeans na Semana de Alta-Costura de Paris Inverno 2014. Mas, qual é a diferença do jeans Couture para os demais? A regra é mais ou menos a mesma válida para as todas peças que recebem o selo de Alta-Costura: ele é feito a partir de materiais ultraselecionados, possui acabamento artesanal, é produzido em baixa escala, sob medida, e vale uma verdadeira fortuna.

Jeans nas passarelas de Alta-Costura: Verão 2002 de Jean Paul Gaultier, Inverno 2006 da Chanel e Inverno 2014 da Maison Martin Margiela ©Reprodução e ImaxTREE

De lá para cá, pegando carona no movimento de rejuvenescimento das maisons, que busca conquistar uma clientela mais jovem e cosmopolita com uma moda esportiva e mais “usável”, o jeans se tornou figurinha carimbada nas últimas temporadas de moda internacionais. No Verão 2014, por exemplo, nada menos que Balmain, Valentino, Versace e Louis Vuitton, apenas para citar algumas, trouxeram versões do denim pra lá de luxuosas. Um ano depois, na temporada de Verão 2015 masculino, a Prada não deixou por menos e fez quase um tributo ao tecido em quase todos os looks da coleção.
O mais interessante é que a verdadeira majestade do denim não é ter conquistado o reconhecimento do mercado de luxo após mais de um século de vida. O que o torna um item único na história da moda é que ele foi capaz de manter sua aura jovem e rebelde nas ruas, mesmo depois de estampar as vitrines mais desejadas do mundo. Por essas e outras: vida longa ao jeans!
Looks das passarelas de Verão 2014 da Balmain, Valentino, Chanel (Pre-Fall 2014) e Versace ©ImaxTREE

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